segunda-feira, maio 29, 2006

Tradição é tradição!

Apesar dos 34 graus sentidos em Lisboa, resultantes de umas das piores ondas de calor de que há memória, em pleno mês de Maio, a tradição ainda é o que era.

Bife à Portugália + Pastéis de Belém


terça-feira, maio 23, 2006

Lisboetas, de Sérgio Trefaut
Nós... e os outros...

Os lisboetas somos todos nós, que nos esquecemos frequentemente que esta cidade (e mesmo o país), também é composto e feito por estas pessoas.

"Lisboetas" ganhou o Prémio de Melhor Filme Português na primeira edição do IndieLisboa.

terça-feira, maio 16, 2006

Play, de Alicia Scherson

A grande sensação do festival Indie Lisboa de 2006 foi a longa metragem “Play” da chilena Alicia Scherson. Claramente influenciado pelas histórias e ambientes de filmes de realizadores como Jean Pierre Jeunet (Amélie Poulain), Alejandro Gonzáles Iñarritu (Amor Cão) ou Pedro Almodóvar, este trabalho é uma abordagem sensível e irónica do percurso solitário de duas personagens de mundos diferentes e que se cruzam a partir do momento em que se verifica a perda da mala de Tristan, que é achada por Cristina.
Esse é o ponto de partida para conhecermos Tristan, um jovem arquitecto em crise de identidade, numa altura da sua vida em que é abandonado pela sua namorada e o trabalho não lhe corre bem, tendo sido assaltado, confundido com outra pessoa e perdido a sua mala, só lhe restando voltar a viver com a sua mãe; e Cristina, uma jovem enfermeira que leva uma vida bastante simples e solitária, cuida de um velho judeu às portas da morte e que faz da imaginação e dos sonhos os seus melhores amigos. Na esperança que o seu dia-a-dia se torne menos aborrecido, rotineiro e monótono, Cristina resolve ir ao encontro do dono da mala (e dono dos objectos que dela fazem parte: IPod, isqueiro, carteira, documentos, cigarros e fotografias).
O que se segue é o entrelaçar das vidas destas duas personagens, que só se cruzam verdadeiramente no final, e cuja história nos é apresentada de forma inteligente mediante a articulação entre cenas reais e espaço onírico e imaginário e recorrendo formalmente ao cruzamento entre histórias e à apresentação da visão e pontos de vista das diferentes personagens. Trata-se de uma crónica inventiva e criativa na qual a música tem um papel fundamental e que não é apenas decorativo, servindo muitas vezes como evasão da realidade, na vida das personagens, aspecto que confere ao filme um lado mágico e delicioso, de verdadeira fábula da vida contemporânea.
Não sendo uma obra prima, “Play” facilmente reuniu consenso entre os espectadores do Indie Lisboa, arrecadando o principal prémio do certame.

domingo, maio 14, 2006

All the Invisible Children
Mehdi Charef, de Emir Kusturica, Spike Lee, Katia Lung, Jordan e Ridley Scott, Stefano Veneruso, John Woo

Apadrinhado pela Amnistia Internacional, o presente filme é constituído por sete curtas metragens cuja temática transversal é mostrar o papel das crianças, as suas dificuldades e problemas, e acima de tudo o seu Estatuto em pleno século XXI, nas mais diferentes culturas. A primeira curta, da responsabilidade de Mehdi Charef (Argélia) conduz-nos até à história das crianças que são usadas como soldados em guerras cruéis, em relação às quais são completamente alheios, neste caso no Burkina Faso. Segue-se a curta de Emir Kusturica, cujo ambiente dos seus filmes é fácil de reconhecer. Trata-se da história de meninos que são manipulados pela sua família (ciganos) e obrigados a roubar e como as prisões/casas de correcção podem servir como tábua de salvação para estas crianças. A América de Spike Lee é a terceira curta do filme e aborda a marginalização das crianças filhas de toxidopendentes e seropositivos e dos estigmas e preconceitos que normalmente lhes estão associados. A rivalidade entre classes, as questões sociais (droga, Sida, guerra, raça) e a segregação social enformam um dos segmentos mais interessantes do filme. Como país de terceiro mundo e conhecido mundialmente pelas desigualdades sociais extremistas que o caracterizam, o Brasil não poderia ficar de fora. As favelas são, naturalmente, o cenário eleito por Katia Lung (co-realizadora do filme “Cidade de Deus”) que nos dá a conhecer o percurso de duas crianças que percorrem diariamente a favela onde vivem, em busca de cartões, latas, lixo... que vendem a troco de meros tostões. A quinta curta metragem, de Jordan e Ridley Scott, é a história de um fotógrafo de guerra que se sente atormentado pelos cenários que presenciou, destacando as dificuldades vividas por um grupo de órfãos do leste europeu e a sua luta pela sobrevivência. Seguiu-se Itália (Stefano Veneruso), com as suas majestosas praças que são palco de diários assaltos levados a cabo também por crianças, vítimas do crime organizado. A ocorrência de um desses furtos, é pretexto para assistirmos aos discursos e representações que o italiano comum tem sobre esta realidade que lhes é tão próxima. Finalmente, John Woo conclui este filme contando uma história que põe em evidência as desigualdades sociais na China, opondo uma menina rica a uma menina pobre, com especial incidência na escravidão das crianças/trabalho infantil.

domingo, maio 07, 2006

Geminis, de Albertina Carri

Este não é um filme de fácil digestão. A temática principal é a relação incestuosa entre dois irmãos (Jeremias e Meme), no seio de uma família de classe alta, que vive de públicas virtudes, mas também de vícios privados. A pretexto do casamento do filho mais velho (que vive em Espanha), a família reúne-se durante alguns dias para comemorar o acontecimento com pompa e circunstância. É nesse contexto que nos apercebemos da relação amorosa existente entre os dois filhos mais novos, (e que já dura há mais tempo) relação que se desenvolve de uma forma muito intensa, dramática, carnal e por fim, claro está, trágica. Curiosamente esta é uma temática recorrente nas novelas sul americanas, e a realizadora argentina Albertina Carri, inteligentemente demonstra-o numa das cenas do filme. Subjacente a esta história, encontramos neste filme uma clara crítica à sociedade oca e dos bons costumes, que vive de aparências, como é o caso da família retractada. Na verdade estamos perante um filme com um enredo bastante simplista, contudo nada simples de abordar pela complexidade que a temática do incesto encerra.
Ainda que o fim não seja dos mais originais (e não era assim tão difícil imaginar um final à medida desta história e ao mesmo tempo que não fosse previsível), é extremamente interessante a abordagem deste sentimento único entre os dois irmãos que foi para além do que é socialmente aceitável, mas também assistir à repercussão que a revelação de tal “anormalidade” tem na vida dos restantes familiares.
Destaque ainda para o papel dos pais, uma mãe hiperactiva que vive para o socialmente correcto, e um pai adormecido e ausente. Estas personagens ajudam a caracterizar o contexto e conferem ao filme mais alguns motivos de interesse.
É perturbante, incómodo, polémico, sofrido e cruel... mas apaixonante.

quinta-feira, maio 04, 2006

Murderball, de Henry-Alex Rubin

Murderball é uma prática desportiva que consiste numa espécie de Rugby, mas praticado por tratraplégicos em cadeira de rodas especialmente apetrechadas para o efeito. É também o nome de um documentário de Henry-Alex Rubin, (vencedor do Festival de Sundance 2005 e que curiosamente esteve entre os nomeados para Óscar de melhor documentário em Hollywood), que acompanha o quotidiano de um conjunto de homens incapacitados fisicamente e que ficaram tetraplégicos, exibindo-nos o dia-a-dia de duas equipas da referida modalidade, que são rivais, EUA e Canadá, nomeadamente na sua preparação para os Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004. A pretexto do acompanhamento da preparação para esse acontecimento desportivo, conhecemos o seu percurso, o seu ambiente familiar, as suas histórias de vida, e a forma como lidam com as suas limitações, desde o momento em que ficaram nesse estado até à sua recuperação. Para os participantes no documentário, a recuperação passou precisamente pela prática desportiva, pondo o filme em evidência a forma como o desporto consegue reunir todo o tipo de pessoas e como a competição pode funcionar como terapia, física e psicológica.
Este é um documentário, autêntico, realista mas também informal, sendo por exemplo pautado por momentos cómicos (como as cenas em que são abordadas as práticas sexuais e de engate dos intervenientes). É, com efeito, um verdadeiro “murro no estômago” de quem assiste, e que leva a que nós, que não temos limitações físicas, ponhamos em causa muitas das nossas atitudes perante a vida. Estes homens não perderam tempo, aprenderam a viver com deficiência e a lutar por uma vida com qualidade. Não há aqui lugar a lamechices ou qualquer manifestação de pena, apesar de existirem alguns momentos dramáticos que apanharam o próprio realizador desprevenido, como quando um dos tetraplégicos sofre um ataque cardíaco e assistimos às implicações desse acontecimento na vida dos colegas e familiares e do próprio doente, que mais uma vez não desiste. Curiosamente uma das figuras centrais do filme, Joe Soares, é português, e lamenta que em Portugal haja tanta ignorância e preconceito no que toca a estas questões, destacando que aqui não teria qualquer hipótese de recuperação e de levar uma vida digna e praticamente normal. Lamentavelmente tem razão.
Não há motivo para não ir ver este documentário, que estreará brevemente nas salas nacionais.

quarta-feira, maio 03, 2006

The Death of Mr Lazarescu, de Cristi Puiu

Lazarescu Remus Dante é um pobre diabo. Na casa dos 60, viúvo e solitário, este velho conta apenas com a ajuda (mínima) dos vizinhos e a companhia dos seus gatos, e tem a particularidade de ser hipocondríaco. Talvez por isso, e principalmente por ser dado à bebida, ninguém acredita em si quando começa a sentir uma dor de cabeça indesejada.
Este espantoso filme apresenta-nos o calvário de um pobre velho para ser atendido nas urgências de um hospital. Acompanhamos a saga deste infeliz velho, de Urgência em Urgência, passando pelas mãos de pessoal médico com as mais diversas competências. São várias as opiniões, diversos os diagnósticos, desde cirrose a cancro no cólon, passando por traumatismo craniano ou pura e simplesmente... ressaca!
O realizador romeno Cristi Puiu pensou este filme como a primeira de uma série de seis histórias sobre os subúrbios de Bucareste, e esta, em particular, facilmente permite-nos encontrar paralelo na realidade portuguesa. Durante duas horas e meia somos arrastados para uma situação filmada como se de uma situação real se tratasse, com uma crueldade, realismo e pertinência que nos chega a deixar constrangidos face a este drama intenso e que põe em evidência as deficiências e fragilidades do sistema de saúde romeno (mas que podia ser o nosso), contudo, sem cair no melodrama de lágrima fácil.
Com excepção da paramédica Mioara, não há ninguém no filme que se preocupe verdadeiramente com a situação de Lazarescu: os vizinhos ocupam-se em apontar-lhe o dedo e dedicam-se ao vasculhar da vida alheia, o pessoal médico perde tempo a evidenciar hierarquias e comparar competências, afastando-se claramente daquela que deverá ser a sua missão primordial.
Este foi um dos melhores filmes em competição no festival Indie Lisboa 2006 (recebeu uma Menção Especial), e espera-se que venha a ter estreia comercial porque é demasiado bom para ficar circunscrito ao circuito dos festivais.

terça-feira, maio 02, 2006

Double Suicide Elegy, de Toru Kamei

Todos nós procuramos um sentido para a nossa vida, tentamos corresponder ao que esperam de nós, às exigências da família e da sociedade. Enquanto indivíduos em interacção com os outros aprendemos desde cedo a respeitar regras, a apreender princípios, valores e ideais sob os quais nos devemos reger e que sejam comuns e partilhados por todos na comunidade a que pertencemos. Mas quando chegamos à conclusão que estamos a viver uma rotina sem sentido, que o dia-a-dia não nos dá prazer e que não pertencemos ao meio em que estamos inseridos, vislumbram-se poucas hipóteses: tornamo-nos autênticos zombies, ou vivemos à margem ou pomos fim a tudo. Em “Double Suicide Elegy”, ela (Kyoko) e ele (Bandai) reúnem-se diariamente numa casa alugada durante duas horas por dia, tornando-se amantes. Nesta obra de estreia do realizador japonês Toru Kamei, acompanhamos as várias tentativas de suicídio conjunto de duas almas que há muito vagueavam sem sentido e para quem nem o seu encontro (e relação) significa motivo suficiente para demover estas almas deprimidas. O realizador recorre a uma técnica habitualmente utilizada no cinema ocidental independente de apresentar o ponto de vista de cada uma das personagens, técnica que se estende também, de forma original, à visão dos seus respectivos cônjuges. Essa forma de realização confere ao filme uma dinâmica e interesse que dificilmente aconteceria se a história nos fosse apresentada de forma linear.

segunda-feira, maio 01, 2006

“Um Pouco mais pequeno do que o Indiana”, de Daniel Blaufuks

Portugal, Campeonato Europeu de Futebol 2004. O país viveu meses de exaltação do ego nacionalista, os jogadores de futebol foram promovidos a heróis nacionais e bandeiras nacionais avistadas em janelas, carros, e outros sítios menos prováveis; o verde e vermelho foram as cores que mais se vestiram e o hino nacional teve direito a toque de telemóvel. Portugal apresentou uma fachada para a Europa e para o Mundo, dando ares de moderno, desenvolvido e civilizado.
Contudo, em Julho de 2004, no rescaldo do campeonato de futebol, Portugal era um país destroçado, desmoralizado, em crise de identidade, e de tão envergonhado, ficou ainda mais pequeno... um pouco mais pequeno que o Indiana.
Aproveitando-se da especificidade desse momento, um fotógrafo português com nome estrangeiro, Daniel Blaufuks, ao volante de um Mercedes antigo, galgou estrada pelos caminhos de Portugal, e viu tanta coisa linda, tanta coisa sem igual. Blaufuks tinha como missão filmar o seu país e retractar uma paisagem em constante mutação, diferente da que tinha gravada na sua memória e nos postais de outrora. Apostado em apanhar em flagrante Portugal no seu melhor, o realizador filma as rotundas desnecessárias, as merendas nos pinhais (onde deflagram os incêndios), os estádios fantasma do Euro, as vivendas decoradas com mau gosto, as piscinas, os mamarrachos da “arte pública”, o desrespeito no trânsito, as televisões sempre ligadas... e na verdade não filma mentira nenhuma! Essas imagens são acompanhadas por informação estatística sobre o carácter dos portugueses: o povo mais desconfiado, o menos educado, etc...
Contudo, é evidente neste documentário uma tentativa forçada de concretizar e comprovar um conjunto de noções que o autor já tinha previamente, isto é, só filmou aquilo que legitima a sua visão e que vai ao encontro dos seus propósitos, revelando-se tendencioso, minimalista e, acima de tudo, superficial. No seu documentário (ou comentário, como o autor prefere) não há lugar a qualquer problematização, reflexão ou análise, que é essencial no enquadramento de imagens (que são factos) e dados estatísticos. O autor limitou-se a narrar e opinar (e que péssima narração!) meia dúzia de lugares comuns (sempre negativos) e não procurou desconstruir a realidade que se lhe afigurava, que encarou de forma passiva e unilateral. Com alguma arrogância e presunção o autor revelou conter em si uma das características típicas do português – dizer mal de tudo!
Não querendo cair nessa mesma maledicência, destaco positivamente a banda sonora do filme, a cargo dos Dead Combo, pautada também por músicas dos tempos da velha senhora (Duo Ouro Negro, Eduardo Nascimento), os bons ângulos fotográficos (ou não fosse o autor também fotógrafo), as imagens de arquivo e, apesar de tudo, a discussão que o filme consegue suscitar.